marilÁ dardot - lisbon blues, tiles

 
Foto: Francisco Baccaro

Foto: Francisco Baccaro

 
 

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Lisbon Blues (2018) começou por ser uma instalação composta por cerca de trinta caixas na nanogaleria reflectindo as marcas da Lisboa contemporânea. Estas caixas, em conjunto, formam uma mancha quase monocromática azulada. Coleccionadas por Marilá Dardot (1973, Belo Horizonte) ao longo de quatro meses, não foram sujeitas a qualquer intervenção ou processo pictórico pela artista. O tom azulado que todas ostentam deve-se à exposição solar a que foram sujeitas ao longo de vários anos nas montras de pequenas lojas Lisboetas. Estas caixas e as suas consequentes alterações cromáticas são um reflexo das contradições perenidade-efemeridade e de sustentabilidade-inconsistência das dinâmicas socioeconómicas e políticas quer à escala de bairro, quer da cidade e do país. Do mesmo modo que o tom monocromático das caixas revela um apagamento das cores que compõem as suas identidades, também as recentes constantes mudanças nos bairros típicos de Lisboa eliminam muitas das suas âncoras socioculturais e pontos de encontro e de relação da comunidade, alterando de forma drástica a dinâmica urbana sustentável dos mesmos.   

As marcas do tempo que as caixas confidenciam partilham um contexto vivenciado pela artista. Chegada a Lisboa no início de 2016, Marilá viu as condições socioeconómicas da cidade mudar em pouco tempo. O crescimento do sector imobiliário e as políticas urbanas de Lisboa legitimaram a turistificação dos bairros históricos no ambiente pós-crise financeira global de 2008-2009 (Mendes, 2017). Os objetivos de tornar Lisboa atraente para investimentos estrangeiros, para visitantes e turistas, trouxeram vários tipos de consequências, incluindo os desalojamentos residenciais e comerciais associados à nova lei de arrendamento. As caixas, empilhadas umas sobre as outras, ou sustentadas por prateleiras de diferentes materiais encontrados nas ruas da cidade, fruto do ambiente de constante mudança, assumem uma posição caótica, em camadas, numa relação tensa, espelhando as dinâmicas de alteração propiciadas pelas relações hermenêuticas que se estabelecem entre o turismo, a situação imobiliária, o (des)virtuar do carácter tradicional da cidade, e as transformações (dos agentes) socioculturais dos bairros.

A Lisbon Blues, de Marilá Dardot, como o título implica com a referência ao estilo de música melancólica de origem popular Americana negra, que é em si uma forma de resistência, funciona como uma metáfora para os espaços – e as pessoas – que, com os processos de gentrificação, tiveram de se reorganizar e mudar nos (ou dos) seus ambientes vividos. As caixas, no seu conjunto em blocos, são suficientemente genéricas para poderem referir-se, a um primeiro olhar, a qualquer cidade e ao planeamento social contemporâneo a nível global. Com o seu processo de transformação estética – de caixas coloridas a caixas monocromáticas – retratam, por um lado, envelhecimento e abandono e, por outro lado, um processo de uniformização criando uma espécie de memorial a um passado mais diverso do que o presente supostamente multicultural no qual vivemos.

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Lisbon Blues (2018) started out as an art installation in the nanogaleria, composed of around thirty boxes, reflecting on the markings of contemporary Lisbon. These boxes, as a whole, form a near mono-chromatic blueish blotch. Collected by Marilá Dardot (1973, Belo Horizonte) throughout the course of four months, they have not been subjected to any intervention or pictorial process by the artist. The blueish hue they all display is due to the solar exposure they were subjected to throughout several years on the window displays of small Lisbon shops. These boxes and their chromatic changes, are a reflection of the permanence/transience and sustainability/erratic-change contradictions of the socioeconomic and political dynamics, be they at the neighborhood level, be they at city or country level. Just as the monochromatic hue of the boxes reveals an erasing of the colors that made up their identities so do the recent and constant changes in the typical neighborhoods of Lisbon eliminate many of their sociocultural anchors and meeting points, and spots of community relations, changing their sustainable urban dynamics in a drastic fashion.

The traces of time confided by the boxes share a context experienced by the artist. Having arrived in Lisbon in early 2016, Marilá witnessed the socioeconomic conditions of the city change in a short amount of time. The growth of the real estate sector and the urban policies of Lisbon legitimized the touristification of the historic neighborhoods in the global post-financial crisis atmosphere of 2008-2009 (Mendes, 2017). The goal of making Lisbon attractive to foreign investments, to visitors and tourists, brought about various types of consequences, including residential and commercial evictions associated with the new tenancy law. The boxes, stacked on top of each other, or supported by shelves made of different materials found on the city streets (a result of an atmosphere of constant change), take on a chaotic outline, in layers, in a tense relation, mirroring the dynamics of change brought about by the hermeneutic relations established between tourism, the real estate situation, the (un)characterization of the traditional make-up of the city, and the transformations of the neighborhood’s sociocultural agents/dynamics.

Marilá Dardot’s Lisbon Blues as the title suggests by referencing the melancholic music style of popular African-American roots which was in itself a form of resistance – operates as a metaphor for the spaces that – and the people who – due to gentrification processes, had to reorganize themselves and change in their (or move from their) lived environments. The boxes, as a whole in blocks, are generic enough to, at a first glance, allude to any city and to contemporary social planning at a global level. With their process of aesthetic transformation – from colorful boxes to monochromatic boxes – they portray, on the one hand, aging and abandonment, and on the other a process of standardization, creating a type of memorial to a more diverse past than the supposedly multicultural present in which we live.

 
Foto: Francisco Baccaro

Foto: Francisco Baccaro


Sujeitas a um processo de selecção, digitalização e reorganização em quadrados de 15x15cm, as caixas da instalação Lisbon Blues foram reorganizadas e recontextualizadas novamente para criar um múltiplo – metodologias recorrentes no trabalho de Marilá Dardot.  Na sua configuração enquanto escultura-instalação, as caixas mantêm uma ambivalência e jogo entre exposição e camuflagem, como se dependessem quer do ponto de vista do observador, de dentro ou de fora das montras, quer das vivências e das narrativas da cidade. Já na sua (re)configuração em múltiplo – caixa que agrega detalhes das caixas coleccionadas –, o azul e branco dos quadrados remetem para os azulejos tradicionais portugueses, elementos tão identitários de Lisboa.

Apesar da total ausência humana na escultura-instalação e no múltiplo, Lisbon Blues recontextualiza e reconfigura os objectos tornando-os protagonistas silenciosos – ou silenciados – de ambientes nostálgicos que oscilam, como os lugares da Lisboa contemporânea, entre as esferas privadas e públicas, num contraste entre o íntimo e o alienante. Tal como as últimas caixas que foram ficando nas montras, sofrendo um processo de alteração das suas características cromáticas, os últimos ‘resistentes’ que ainda mantêm as suas lojas tradicionais e típicas dos bairros que com estas se (trans)formaram e cresceram também se encontram num ponto de (trans)formação de novas dinâmicas socioeconómicas e culturais que nos estão a levar a um processo de (des)configuração urbanística nunca anteriormente experienciado pela cidade. Resta-nos saber – e determinar – se esse processo se irá auto-regular em diálogo próximo com as histórias e características tradicionais ou se esse processo irá desembocar num ponto de não-retorno de gentrificação e disneylandificação da cidade, passando a identidade da cidade a ser, não a experiência da vida quotidiana, mas sim um simulacro da mesma através de elementos nostálgicos fac símile, uma Lisbon Blues.

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Lisbon Blues started out as an art installation but has since multiplied into a box which is, in fact, a receptacle for the installation’s boxes. Subject to a process of selection, digitalization, and reorganization into 15x15cm squares, the boxes were once again reorganized and recontextualized – recurring methodologies in Marilá Dardot’s work.

In their configuration as sculpture-installation, the boxes maintain an ambivalence and sense of play between exposure and camouflage, as if they depended both on the observer’s point of view, from the inside or the outside of the window displays, and on the experiences and narratives of the city. Now in their (re)configuration into a multiplicity - a box that gathers details of the collected boxes -, the blue and white of the squares refer to the traditional Portuguese azulejo tiles, that are very much key identity elements of the city of Lisbon.   Despite the complete absence of the human element in the sculpture-installation and in the multiplicity, Lisbon Blues recontextualizes and reconfigures the objects, turning them into silent – or silenced – protagonists of nostalgic environments that oscillate, like the places of contemporary Lisbon, between the private and the public spheres, in a contrast between intimate and alienating. Just like the last boxes that remained on the window displays suffering a process of change in their chromatic characteristics, those “last ones standing” who still keep their traditional, typical shops in Lisbon neighborhoods – that were (trans)formed by and grew with them – also find themselves at a point of (trans)formation of the new socioeconomic and cultural dynamics that are leading us to a process of urbanistic (de)configuration never before experienced by the city. What is left to figure out – and determine – is if this process will self-regulate in a close dialogue with the traditional stories and characteristics of the city or if this process will result in a point of no-return of gentrification and disneylandification of the city, where the identity of the city would become not the experience of daily life but rather a simulacrum of that experience through fac simile nostalgic elements, a Lisbon Blues.

 
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SOBRE MARILÁ DARDOT

Marilá Dardot (Belo Horizonte, 1973) vive e trabalha em Lisboa. Seu trabalho faz uso de diversos materiais e mídias, desde vídeos, fotografias, gravuras, esculturas, pinturas e ações, até instalações em grande escala e específicas do local. Linguagem e literatura são geralmente fontes de inspiração de Marilá. Alguns de seus projetos incluem colaborações com outros artistas, amigos ou o próprio público, gerando mudanças estruturais em certos espaços coletivos e referências culturais.

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ABOUT MARILÁ DARDOT

Marilá Dardot (Belo Horizonte, Brazil, 1973) lives and works in Lisbon. Her work makes uses of diverse materials and media ranging from videos, photographs, prints, sculptures,paintings and actions to large-scale and site-specific installations. Language and literature are usually Marilá’s sources of inspiration. Some of her projects include collaborations with other artists, friends or the public itself, generating structural changes in certain collective space and cultural references.

 
 

Lisbon Blues, Tiles
Lançamento: 01 de Fevereiro das 18h as 21h

Local: STET Livros e Fotografias

Rua Acácio de Paiva, 42B

Alvalade - Lisboa - Portugal